Gênero Textual: Crônica Literária (Perfil de Pessoa)
MEU AVÔ PATERNO
Graciliano Ramos
A grandeza e a harmonia singular hoje desdobram a figura gemente e mesquinha, de ordinário ocupada, apesar da modéstia, em fabricar miudezas. Tinha habilidade notável e muita paciência. Paciência? Acho agora que não é paciência. É uma obstinação concentrada, um longo sossego que os fatos exteriores não perturbam. Os sentidos esmorecem, o corpo se imobiliza e curva, toda a vida se fia em alguns pontos - no olho que brilha e se apaga, na mão que solta o cigarro e continua a tarefa, nos beiços que murmuram palavras imperceptíveis e descontentes. Sentimos desânimo ou irritação, mas isto apenas se revela pela termura dos dedos, pelas rugas que se cavam. Na aparência estamos tranqüilos. Se nos falarem, nada ouviremos ou ignoramos o sentido do que nos dizem. E como há freqüentes suspensões no trabalho, com certea imaginarão que temos preguiça. Desejamos realmente abandoná-lo como gastamos uma eternidade no arranjo de ninharias, que se combinam, resultam na obra tormentosa e falha. Meu avô nunca aprendera nehum ofício. Conhecia, porém, diversos, e a carência de mestre não lhe trouxe desvantagens. Suou na composição das urupemas. Se resolvesse desmanchar uma, estudaria facilmente a fibra, o aro, o tecido. Julgava isto um plágio. Trabalhador caprichoso e honesto, procurou os seus caminhos e executou urupemas fortes, seguras. Provavelmente não gostavam delas; preferia vê-las tradicionais e corriqueiras, enfeitadas e frágeis.
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